domingo, 30 de dezembro de 2012

BALANÇOS



À beirinha da entrada num novo ano é altura de se fazerem os habituais balanços e reflexões sobre os doze meses que terminam e perspetivar a dúzia que se segue. Ele há balanços para todos os gostos. Desde os mais complexos e exatos, como os contabilísticos e “Excelianos”, aos mais pessoais, sentimentais e apaixonados. Certo é que todos nós gostamos de “balançar” nesta época em jeito de preparação para o futuro. Aliás é uma forma de fazermos jus à máxima “ano novo vida nova”.
O ano que agora termina trouxe-nos de tudo um pouco e foi vivido com grande incerteza que transita para 2013.  No entanto, em 2012 talvez o mundo tenha percebido de uma vez por todas que vive num modelo de desenvolvimento absolutamente insustentável. E quando escrevo o “mundo” refiro-me aos que sofrem na pele com esta globalização criada pela alta finança para empobrecer uns e enriquecer outros tornando os seres humanos em meros peões que alimentam a avidez dos “senhores do dinheiro”, autênticos saqueadores dos tempos modernos que, à distância de um clique, jogam as suas “peças” no xadrez económico mundial. Cada vez mais temos a noção de que o mundo está mais pequeno. Porque a economia global tenderá a voltar a ser local. É este o resultado da famosa globalização que nos “venderam” como geradora de riqueza, desenvolvimento, sustentabilidade e equidade. Um mundo estrangulado e dominado por meia dúzia de abutres sedentos de dinheiro e poder.
No domínio da energia, 2012 veio confirmar que um novo mapa mundial se começa a desenhar. O aperfeiçoamento de tecnologias de exploração de recursos de difícil acesso (petróleo e gás) fizeram com que a Agência Internacional da Energia projetasse os Estados Unidos como potencial maior produtor mundial destas fontes daqui a mais ou menos 20 anos, ultrapassando árabes e russos. A exploração dos recurso submarinos aumentou consideravelmente. Hoje, extrair petróleo em águas muito profundas é uma realidade incontornável. Este aumento, inequivocamente relacionado com a exaustão do petróleo convencional, trará consequências ao nível dos preços. As novas técnicas são substancialmente mais dispendiosas e ambientalmente imprevisíveis. O sistemas energéticos mundiais encontram-se, a terminar 2012, nos mais variados estágios de desenvolvimento. No entanto todos os países partilham o mesmo problema: todos se encontram longe da sustentabilidade, um trilema que relaciona a capacidade de satisfazer a procura, com equidade de custo para todas as populações e reduzido impacto ambiental.
No topo da lista dos países mais sustentáveis (ou menos insustentáveis se preferirmos)  estão a Suécia, a Suíça, o Canadá e a Noruega. E o segredo parece ser a diversidade de fontes nas suas matrizes energéticas. Desenha-se um modelo em que nenhuma fonte será dominante como até agora tem sido. O sucesso estará na integração de várias fontes, renováveis e não renováveis, umas a trabalhar com as outras. Veja-se o uso de centrais solares nas modernas tecnologias de extração gás de xisto, nos Estados Unidos. Até as economias emergentes já o perceberam. A relação economia-energia espelhou-se na relação consumo-crescimento económico. Os países que viram as suas economias crescer viram, também, aumentar o consumo de energia enquanto os países estagnados ou economicamente retraídos observaram um decréscimo de consumo, como Portugal e as suas regiões autónomas. Em jeito de conclusão pode dizer-se que o mundo percebeu, em 2012, que o seu padrão de desenvolvimento terá de se alterar. A intensidade que o Homem coloca na expurgação dos recursos naturais do planeta tornou-se uma ameaça letal. A solução é a diversificação das matrizes energéticas, a racionalidade no consumo e a eficiência. O ano 2012 nunca mais voltará e o planeta nunca mais será como é no virar do ano. Poderá, daqui a doze meses, estar a melhorar. Assim queiramos “balançar” no sentido certo.
Um excelente 2013 para todos! 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

PORQUE É NATAL...



E pronto! Chegou mais um Natal e foi-se mais um ano. Nesta época é normal fazermos um balanço do ano que passou e projetar o que se segue. Envolvidos numa crise económica e social sem precedentes a tentação é encarar o futuro com algum pessimismo. Ao proceder desta forma estaremos a agudizar as dificuldades e a atrair más energias!

Neste espaço onde os temas energia e sustentabilidade são reis e senhores deixo uma mensagem de esperança, força e positivismo! Porque acredito que 2013 será uma ano de adaptação a uma nova realidade e a uma nova vida para muitos de nós.

A vitória só será alcançada recorrendo à mais poderosa, abundante e sustentável fonte energética do planeta! A NOSSA ENERGIA! A que nasce do nosso querer, determinação, perseverança e  espírito de cidadania.

Afinal, a energia é fonte de VIDA! E com MAIS ENERGIA, MAIS VIDA!

Um abraço de BOAS FESTAS e um Feliz 2013!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

UM NOVO PARADIGMA: A BEM OU A MAL!


Para quem ainda tinha dúvidas, o relatório “Living Planet Report 2012” publicado pelo World Wide Fund for Nature confirma a insustentabilidade do modelo económico e de desenvolvimento do mundo moderno. A nossa pegada ecológica, um indicador da pressão humana sobre a natureza que compara a exploração da biosfera em contraste com a capacidade regenerativa da Terra e dos seus recursos naturais, estabelece que, atualmente, o mundo “consome” o equivalente a um planeta e meio para suportar a sua atividade. A este ritmo e insistindo neste modelo, continuaremos a exigir do planeta muito mais do que naturalmente ele nos pode dar. Um dos termos que “nasceu” com a globalização e a internacionalização dos mercados foi a palavra “commodity”, um anglicismo que significa simplesmente mercadoria, bem ou matéria-prima, normalmente extraída da terra e que se carateriza por ter um preço mais ou menos universal sem atender a origens ou marcas. Como exemplos de “commodities” temos o arroz, o cobre, o algodão, o feijão, a soja, o trigo, a borracha, o carvão ou o petróleo. Na mudança do século XX para o XXI deu-se algo curioso e alarmante. O preço do cabaz das principais “commodities” decresceu a uma taxa média anual de 1,2% durante o século XX. Isto deu-se apesar dos picos dos preços durante as duas Grandes Guerras e na crise petrolífera dos anos setenta. Este admirável decrescimento teve origem no aumento da eficiência dos processos produtivos e fomentou o crescimento económico global. Todavia, a situação mudou na viragem do século, entre 2000 e 2010. O preço do mesmo cabaz de bens subiu em dez anos, praticamente o mesmo que caiu durante todo o século XX! O motivo parece ser o extraordinário aumento da procura dos países em desenvolvimento - China, Brasil, Índia, Rússia, México, Turquia e outros. O aumento exponencial do consumo destes bens está a torná-los mais escassos, o que tem duas consequências inevitáveis: por um lado a subida dos preços aumenta a pressão sobre os sistemas financeiros à escala global, regional e nacional, especialmente nos países em estagnação ou contração económica. Outra consequência é que o aumento do consumo está a ter um impacto cada vez mais nefasto sobre o ambiente, o que, por sua vez, também afeta negativamente as economias. Não existe melhor exemplo para se perceber este mecanismo do que considerarmos as “commodities” energéticas.


 Mais de 80% das fontes primárias de energia que movem este mundo continuam a ser de origem fóssil, o que contribuiu decisivamente para o aumento das emissões de CO2 e para a intensificação das alterações climáticas. Por mais que os profetas da conspiração o  queiram negar, este facto parece cada vez mais incontornável.  Estas por sua vez aumentam a frequência dos eventos climatéricos extremos que reduzem a produtividade agrícola à escala regional, afetando negativamente a economia e a segurança alimentar. Com o aumento da população mundial amplamente atribuída aos países com economias emergentes, a procura de recursos naturais energéticos continuará a crescer, embora encontrar novas fontes e assegurar a sua viabilidade económica e ambiental da sua extração seja cada vez mais crítico e dispendioso. Além disto satisfazer a procura exige um investimento crescente em inovação e aumento da produtividade num contexto em que o acesso ao crédito é cada vez mais difícil. Não restem dúvidas de que estamos perante um paradigma de desenvolvimento mundial insustentável. É imprescindível uma transição para um novo modelo baseado na equidade e que associe as necessidades a médio e longo prazo das economias às variáveis ecológicas e ambientais. É uma transição difícil que irá exigir uma alteração comportamental de todos nós. E assim será, a bem ou a mal!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

iLumini: INOVAÇÃO E EFICIÊNCIA


 Large and Small iLumis with App

Na semana passada, empreendedores norte-americanos apresentaram uma nova lâmpada LED eficiente, a iLumini que pode durar 20 anos e ser controlada por um smartphone. A lâmpada utiliza a tecnologia HyperLux, que permite a sua programação em termos cromáticos e utiliza a tecnologia Bluetooth para receber informação. Tal como vários outros projectos de empreendedorismo norte-americanos, a iLumi está em processo de financiamento. Segundo os dois autores do projecto, Corey Egan e Swapnil Bora, a iLumi pode ser programada através dos sistemas operativos Android e iOS, e produzem uma multiplicidade de cores e sombras.
Cada iLumi tem um alcance de 30 metros e pode, inclusivamente, comunicar com outras lâmpadas, através de uma rede de bluetooth. Por outro lado, as lâmpadas podem ser customizadas para horários individuais, que as ligam e desligam ou tornam mais fortes e fracas. Podem também mudar de cor em vários momentos do dia.
Mais: as lâmpadas têm sensores de proximidade e acendem-se e desligam-se à medida que uma pessoa anda pela casa. Podem, ainda, sintonizar uma rádio ou música, através de aplicações que podem ser compradas.
Segundo os responsáveis pela nova lâmpadas inteligentes, quem comprar a iLumi pode poupar 25% dos custos de energia por mês, sendo que esta se paga múltiplas vezes ao longo de 20 anos. A lâmpada, de 15 watts, pode cortar os custos anuais em €260. 

Bluetooth Control    

Mobile App
 iLumi Scene


Assista ao vídeo promocional:
http://vimeo.com/ilumisolutions/ilumilaunch

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ENERGIA: UM NOVO IMPULSO?



Com um novo governo regional, uma nova orgânica governativa e uma nova dinâmica, desejável e imprescindível, exigem-se desafios estruturantes para a prometida “governação renovada”. Confirma-se que continuará a existir uma direção regional afeta à energia (DRE), integrada na Secretaria Regional do Turismo e Transportes. A integração da energia nesta estrutura governativa pode ser questionável mas o que importa é entender e definir quais os desafios para a futura DRE. Na sua intervenção no âmbito da apresentação do programa de governo, o novel secretário do turismo e transportes dedicou alguns (poucos) parágrafos do seu discurso ao setor energético da região e à estratégia delineada para o impulsionar e dinamizar. Reconhecendo a sua importância e caráter determinante, o governante elencou alguns pontos que lançam para a opinião pública a ideia de que os segmentos renováveis e eficiência energética serão, porventura, os desígnios emergentes da futura política energética regional. Reconhecendo a importância do setor elétrico como um os mais importantes para o desenvolvimento dos Açores, afirmou que não abdica da convergência do tarifário elétrico. Não se trata de abdicar ou não mas sim de esperar que a folha de cálculo do ministro Gaspar não lhe “diga” para cortar a subsidiação do tarifário elétrico regional, poupando alguns milhões de euros à república e lançando o setor energético regional em colapso e, por arrasto, as nossas carteiras. Propõe ainda o Secretário Vítor Fraga disponibilizar análises de eficiência energética a baixo custo aos lares e aos empreendimentos interessados. Não me parece que seja esta uma missão direta do governo mas sim do setor empresarial. A menos que o governo pretenda tornar-se concorrente das unidades que podem e devem oferecer esse serviço às populações e empresas. Outra estratégia que  parece transpirar da proposta é a intenção de criar condições ao surgimento de um maior número de micro e mini produtores elétricos integrados na rede elétrica regional. Numa região com a nossa configuração geográfica e elétrica, conciliar esta abordagem com o peso e monopólio da EDA e com a matriz física existente não se afigura como fácil, ou sequer exequível. Falou ainda na consolidação da implementação dos programas de sensibilização para uma utilização racional da energia elétrica e para a requalificação do edificado açoriano para parâmetros de maior eficiência energética. Neste domínio a DRE deverá desempenhar um papel fulcral, passando de mera estrutura licenciadora e administrativa a unidade dinamizadora e implementadora de programas sérios e abrangentes que possam criar alicerces que consolidem uma maior sensibilidade dos açorianos para o paradigma da energia no mundo atual. Quanto à mobilidade elétrica tudo se resume a duas questões: aceitação social e incentivos financeiros, com estes a serem determinantes e porventura impeditivos na atual conjuntura económica.
Em resumo, os desafios impulsionadores estão lançados. Para a sua concretização é imprescindível uma Direção Regional da Energia com novas ferramentas funcionais e financeiras, com autonomia operacional e com uma nova missão que ultrapasse as fronteiras de mera executante administrativa, técnica e legislativa. Terá de conciliar as funções atuais, ao nível de licenciamentos e certificação, com uma dinâmica proativa e responsiva em consonância com as restantes instituições regionais, públicas e privadas, empresas, escolas e instituições de ensino/formação para que, de uma vez por todas, a sociedade entenda a eficiência energética como uma estratégia estrutural e não circunstancial, sendo, ainda, a estratégia menos dispendiosa num cenário de melhoria da nossa sustentabilidade.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

CARVÃO AMERICANO "INVADE" A EUROPA E ÁSIA


O recente lançamento do World Energy Outlook 2012 pela Agência Internacional de Energia, lançou o debate na opinião pública sobre o futuro papel dos Estados Unidos na matriz energética mundial. De terceiro maior produtor e maior importador, os americanos poderão vir a tornar-se, no final da década e de acordo com as previsões da agência, no maior produtor mundial de petróleo e gás natural do mundo invertendo a tendência dos últimos anos. Por volta de 2030 os Estados Unidos correm o “risco” de ultrapassarem a Arábia-Saudita como maior exportador de petróleo do planeta. Na base desta nova tendência estão os avanços no domínio da extração de petróleo não convencional.

Fonte: IEA - World Energy Outlook 2012

 Em 2011, aproximadamente 60% (conferir aqui) do crude refinado nos Estados Unidos foi importado de outros países. Apesar das exportações de produtos petrolíferos refinados, o balanço energético americano foi de 45% negativos que consegue, ainda assim, ser o valor mais baixo desde 1995.
No setor do gás natural a história é semelhante. Graças ao aperfeiçoamento das técnicas de fraturação hidráulica (fracking), ainda envolvidas em grandes dúvidas devido à possibilidade de constituirem uma séria ameaça ambiental, no espaço de 5 anos os Estados Unidos ultrapassaram a Russia como maior produtor mundial desta fonte energética.
A transição americana da sua base energética para o gás natural em substituição do carvão, outro recurso abundante nos Estados Unidos, é uma boa notícia do ponto de vista ambiental se bem que o balanço final deva resultar, ainda assim, num aumento global das emissões de poluentes. Isto apesar dos americanos estarem a queimar mais gás, o que resulta numa taxa de emissões poluentes por unidade de energia bastante inferior à do carvão.
Com esta deriva não se pense que o carvão vai começar a ficar “adormecido” no subsolo americano. As exportações de carvão dos Estados Unidos têm aumentado e veja-se, na imagem abaixo, o seu destino:

 Fonte: U.S. Energy Information Administration

A nova tendência parece ser a dos Estados Unidos, com este novo paradigma, estarem a ver-se livres do seu abundante e poluente carvão vendendo-o à Europa e Ásia, não apenas para a produção de eletricidade mas sobretudo para a industria pesada de produção/transformação de metais (metalurgia). As economias emergentes estão a absorver este recurso com uma avidez formidável.
Seja somo for a matriz energética mundial tende a alterar-se radicalmente. A transição do petróleo e gás convencional para o não convencional vai trazer consequências ao nível dos preços pois a sua extração é bastante mais dispendiosa. E ainda não são totalmente conhecidas as verdadeiras consequências ambientais destas novas formas de “espremer” o planeta.
Não acredito na manutenção do atual modelo económico mundial, onde tudo viaja de um lado para o outro do mundo. A seu tempo, o preço da energia ditará a morte da globalização tal como a conhecemos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NAVEGAR NO ÁRTICO


Chama-se Ob River, é um gigantesco navio-tanque capaz de transportar 150.000 m3 de líquido e está a prestes a tornar-se na primeira embarcação deste tipo a atravessar o ártico. O Ob River, partiu da Noruega a 7 de Novembro em direção ao Japão carregado de  GNL (gás natural liquefeito) prevendo-se a sua chegada em Dezembro. Na maior parte da viagem através do perigoso e gélido Mar de Barents será escoltado por um quebra-gelo nuclear Russo para qualquer acidente de percurso.
Cresce o interesse em aproveitar os efeitos das alterações climáticas nos mares do norte. Estas criaram condições para esta travessia no ártico e em conjunto com a situação do mercado de gás natural tornam esta opção lucrativa, poupando 40% da distância e de combustível. Por outro lado, o Japão, após o desastre nuclear de Fukushima aumentou o seu interesse no gás natural. Os dados científicos têm demonstrado uma crescente melhoria de condições para navegação nesta região gelada e apesar do gelo permanecer, estes mares podem agora ser navegados em Novembro.
Já escrevi sobre este tema do degelo ártico e da imprevisibilidade das suas consequências (ver aqui). Ao bom estilo humano a gigantesca industria fóssil está mais preocupada com a disputa pelo direito de explorar os recursos postos a nú pelo irreversível (ao que parece) desaparecimento do gelo ártico do que nas suas consequências climáticas e ambientais.
Este é mais um exemplo de que o homem existe neste planeta para o aproveitar e explorar os seus recursos até à exaustão na saciedade da sua avidez por querer sempre mais do que tem ou pode ter.

Afinal as alterações climáticas, para alguns, até nem são uma coisa má...

Reportagem original da BBC aqui.

domingo, 18 de novembro de 2012

EMBALADOS



Escrevi e publiquei este texto nos jornais Correio dos Açores e Diário Insular há pouco mais de um ano. O que sinto, analiso e constato no meu dia a dia confere a este humilde e limitado escrito um sentido cada vez maior. Deixo aqui a reflexão que, paralelamente, constitui uma homenagem a um homem excecional que marcou de forma indelével a minha infância e contribuiu para o meu crescimento como homem e cidadão.
Durante algumas dezenas de anos funcionou no cimo da Rua do Galo, em Angra do Heroísmo, a Mercearia Machado. Recordo este espaço com nostalgia, pelos momentos que lá vivi e por ter sido propriedade do meu tio Alberto, pessoa afável e de uma sabedoria humana incrível, que me transmitiu uma boa parte dos valores que ainda hoje norteiam a minha vivência familiar e profissional. O “senhor Alberto” – como era tratado pelos seus clientes – era um homem sereno, simpático, rosto marcado pelo tempo, calvo desde muito novo, óculos pretos com hastes em massa, levava sempre a sua camisa impecavelmente passada a ferro e umas calças de “fazenda” seguras por uns suspensórios de cor a condizer. Nos pés, uns sapatos de lona que calçava sempre que chegava de manhã cedo ao seu “mundo” onde uma mistura de aromas de legumes frescos, especiarias e outras coisas não deixava indiferente quem pela sua porta passasse. Nesta mercearia vendia-se um pouco de tudo. Ao entrar, um balcão de madeira corria o espaço de uma parede à outra, apenas interrompido por uma estreita passagem. Numa extremidade, quatro pequenos bancos de madeira aguardavam o descanso dos amigos e clientes do tio Alberto. Na outra estavam as sacas com as leguminosas e os cestos em vimes com as hortaliças, as batatas, as cenouras e outros produtos da terra. Sobre o balcão moravam dois armários envidraçados. Num estava o queijo e a marmelada, no outro, chocolates e bombons que eram vendidos ao quilo. Do lado de lá do balcão, em prateleiras de madeira, estava exposta toda uma variedade de produtos, alguns guardados em enormes frascos de vidro ou plástico. Recordo-me sobretudo das especiarias: a pimenta preta, o cravinho, a canela, o colorau, etc. Era uma mistura de fragrâncias e de cores inesquecível. 
Durante a semana, quando saia da escola, dirigia-me invariavelmente para a “venda” do tio Alberto. Mal chegava, depois de ser recebido com todos os mimos e carinhos, era-me servido um lanche de que, ainda hoje, me lembro da imagem e sabor: três bolachas tiradas de um saco onde repousavam, pendurado no tecto, que era manuseado com uma vara com um prego dobrado na ponta, uma generosa fatia de marmelada cortada na hora e um pirolito, tudo disposto sobre uma folha de papel de embrulho que era estendida em cima da secretária onde o meu tio fazia a sua “escrita”. Depois de saborear esta saborosa merenda, era ver-me devorar com atenção e devoção a mestria do tio Alberto a servir os seus clientes.
Uma boa parte dos artigos eram vendidos em embalagens habilmente feitas na hora: um cone feito em papel nascia das mãos do senhor como por magia. Nele era colocada a mercadoria que depois de pesada e fechado o cone com uma última dobra era pousado sobre o balcão junto das restantes compras. Na Páscoa, as amêndoas, no Natal os figos passados e as nozes, tudo era vendido a granel. Quem entrava na mercearia Machado, entrava num mundo diferente, onde os alimentos sabiam ao que eram, onde se cheirava qualidade e frescura. O tempo ditou, naturalmente, o fim da vida do tio Alberto e da sua mercearia assim como de muitas outras, que mesmo existindo, ainda, já não são o que foram. Vieram os supermercados, os hipermercados, veio a fartura, vieram os alimentos que estão disponíveis o ano todo, vieram os sacos, saquinhos e saquetas, as cuvetes, a película aderente, as caixas e as caixinhas. Foi-se o prazer de comprar, a verdadeira frescura, e muitas vezes a qualidade. Andamos todos embalados, vivemos num mundo de plástico! Até o dinheiro é já “de plástico”. Se fizermos uma pausa e reflectirmos um pouco, se olharmos para o nosso carrinho de compras, vemos a quantidade assustadora de embalagens que trazemos para casa, desnecessariamente. É certo que os tempos são outros mas deixo aqui a questão:  fomos ou não ao extremo? A reciclagem dos milhares de embalagens desnecessárias não é a solução! Da próxima vez que os amigos e amigas, leitores e leitoras, forem às compras, pensem na quantidade de energia necessária para colocar nas prateleiras a quantidade de embalagens que os vossos olhos conseguirem alcançar. Já compararam, quando se oferecem brinquedos às crianças, o volume de lixo que sobra das embalagens, versus o que realmente interessa? Tudo graças ao petróleo abundante e barato que já não o é, nem uma coisa nem outra.
O mundo “embalado” em que vivemos tem os dias contados. Mas isso não é uma coisa má."

sábado, 17 de novembro de 2012

LUXOS E LIXOS

A par da evolução tecnológica – uma das faces positivas da globalização – a deslocalização da produção dos chamados “gadgets” eletrónicos para os países em desenvolvimento onde a mão de obra é substancialmente mais reduzida veio tornar o seu custo acessível a quase todas as pessoas. No entanto a avidez humana leva ao desequilíbrio e à irracionalidade. O lixo eletrónico (e-waste, como é mundialmente conhecimento) tem-se tornado num sério problema e materializa o lado negro da globalização. Hoje em dia entre 20 a 50 milhões de toneladas de lixo eletrónico são produzidas por todo o mundo. Computadores, monitores, televisores, telemóveis, impressoras, leitores de DVD e muitos outros equipamentos são descartados pelo homem a um ritmo alucinante mesmo antes do seu fim de vida. Mesmo que o bom senso nos leve a entregar o nosso lixo eletrónico num centro legalmente habilitado para a sua reciclagem, o mais certo é que o lápis negro da globalização trace o seu destino até África ou, mais provavelmente, até à vila de Guiyu, na China, conhecida como a capital mundial do lixo eletrónico.  
Nos países desenvolvidos ocidentais, reciclar um computador pode custar 16€, enquanto em Guiyu custa 1,5€! Ou seja, o mais certo é que os equipamentos produzidos na China – o maior fabricante de eletrónica do mundo – viajem até ao ocidente e depois voltem como lixo à sua origem! Em Guiyu, outrora uma fértil vila da província de Guangdong no sul da China, cerca de 150.000 pessoas trabalham 18 horas por dia para retirar tudo o que se possa aproveitar do lixo eletrónico para vender. Cobre, ouro, platina, prata, paládio são recuperados de forma primitiva e sem quaisquer medidas de proteção para os operários e muito menos para o meio ambiente. A terra tornou-se imprópria devido às toxinas acumuladas e a água potável tem de ser transportada de uma localidade a 20km de distância. A água em Guiyu é escura e ácida.
Recorre-se a químicos altamente tóxicos para remover componentes de placas eletrónicas e queimam-se elevadas quantidades de plástico, metais pesados como o chumbo ou o mercúrio e outros químicos perigosos nas ruas onde vivem e onde os seus filhos brincam. A taxa de cancro, doenças respiratórias e renais, infertilidade e malformações fetais são alarmantes.
Apesar da existência de legislação internacional o certo é que, legal ou ilegalmente, 70% do lixo eletrónico de todo o mundo continua a viajar para Guiyu enquanto o mundo assiste com uma inércia e impavidez que desafia a racionalidade da raça humana.
A globalização que nos foi imposta esconde a gravidade do problema do lixo eletrónico. Porque o fabrico, a produção, o consumo e o descarte ocorrem em diferentes locais por todo o mundo, as reais consequências deste problema são muito difíceis de determinar. Não julguemos que este problema está isolado em Guiyu. O modelo de globalização atual não derrubou apenas as fronteiras alfandegárias e económicas. Também fez cair as barreiras à proliferação da poluição e da contaminação através de bens que viajam por todo o mundo.
Graças a esta globalização tudo o que acontece numa cidade, num país ou numa sociedade tem impacto no mundo inteiro, fruto da gigantesca teia comercial e tecnológica que une os 7000 milhões de homens mulheres e crianças deste planeta. 
Talvez seja bom pensarmos que, enquanto milhões de pessoas acampam dias a fio junto às portas das lojas só para serem os primeiros a adquirir o novo modelo de telemóvel, de tablet ou de máquina fotográfica digital e sentirem aquela “realização” virtual e efémera de tirarem a virgindade à caixinha cuidadosamente selada e embrulhada em película plástica brilhante, algures no outro lado do mundo ou ali mesmo ao lado, seres humanos cuidam da sua morte acelerada enquanto procuram ganhar uns míseros 10 cêntimos à hora para recuperarem alguma coisa rentável do computador, do telemóvel ou da impressora que descartámos só porque é “démodé”. E faltou falar da estúpida quantidade de energia consumida neste ciclo. Mas não faltarão oportunidades, certamente.






sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ALEMANHA "EMPURRA" A EUROPA PARA O SOLAR FOTOVOLTAICO?



Na sequência do acidente nuclear de Fukushima em 2011, parte dos países da Europa decidiu rever os seus programas nucleares. A Alemanha anunciou algumas semanas após o acidente o encerramento das suas centrais nucleares até 2020 e, paralelamente, uma “investida” no domínio das energias renováveis para substituir a produção de eletricidade pela via nuclear.
Recentemente vieram a público notícias de um enorme mal estar no país de Merkel pelos aumentos previstos nas tarifas de energia elétrica que rondarão, até final do ano, os 20% relativamente a 2011. Por essa altura recordo-me do presidente da gigante farmacêutica e química Bayer, Mrijn Dekkers, ter ameaçado que sairia da Alemanha deixando no desemprego 40 mil pessoas caso os custos da energia elétrica se tornassem incomportáveis (ver aqui a notícia). No entanto a política de transição do nuclear para a eólica e solar (com maior expressão) continuou apesar deste aviso e de outros que se seguiram.
Convém recordar que o germânicos são os mentores do modelo FIT (feed-in tarifs) que garante, como forma de incentivo ao investimento dos produtores, uma tarifa paga à produção bastante superior ao preço de mercado bem como lhes garante a injeção na rede elétrica de toda a energia produzida anulando o risco de investimento. Aliás esse modelo foi também adotado por Portugal com as consequências conhecidas. É que a economia portuguesa não é propriamente a alemã.
Hoje tomei conhecimento do PV GRID, um megaprojeto europeu para promover a integração em grande escala da energia fotovoltaica nas redes de distribuição de eletricidade, em que Portugal participa através da Associação Portuguesa de Empresas do Setor Fotovoltaico (APESF). De acordo com o sítio do projeto, o  PV GRID pretende contribuir para a superação de desafios reguladores e  normativos, ligados  à integração de uma maior quota de energia fotovoltaica no sistema de distribuição europeu.
Curioso mesmo é que o projeto será coordenado pela German Solar Industry Association (BSW-Solar) e nele estão, entre outros, Portugal e a Grécia. Não me admira nada que os “amigos” germânicos estejam a aliciar estes países a entrar na onda do solar fotovoltaico de forma a desenvolver – entenda-se, vender – a industria solar alemã em franco crescimento.

PS: Sugiro a leitura deste artigo: “Germany charges ahead as solar power booms.”




quarta-feira, 14 de novembro de 2012

GREVE VS. CONSUMO DE ELETRICIDADE


Em dia de greve é comum fazerem-se balanços. Os que as promovem anunciam quase sempre de forma quase apaixonada números de adesão elevados. Do outro lado, os visados com o protesto tendem a apresentar números bastante inferiores numa tentativa de mostrar que, afinal, tanto alarido não serviu de nada e o povo optou por ir trabalhar. O que é certo é que raramente, para não dizer nunca, os números batem certo de um e outro lado.
Para termos uma noção mais concreta do impacto desta greve talvez seja interessante observar os dois gráficos que a seguir reproduzo retirados do sítio da REN. O primeiro representa o diagrama de carga que traduz o consumo de eletricidade na rede elétrica nacional durante o dia de ontem e que plasma a tendência semanal nesta altura do ano em termos de potência prevista e verificada na rede. O segundo retrata o percurso da linha de consumo no dia de hoje. 
Nota-se uma clara diminuição do consumo fruto da paralisação de parte do país sobretudo nas horas tendencialmente de maior carga (pontas). Fazendo uma média por pura observação do gráfico poderemos estar a falar de uma redução entre 750 e 1000MW!
Embora com a margem de erro associada penso que não deixa de ser uma análise a ponderar sobre os efeitos da greve geral de hoje.
Será interessante analisar a estatística diária que estará disponível amanhã e confirmar estes números.

DIAGRAMA DE CARGA DE ONTEM (dia normal de semana)
Fonte: REN - Centro de Informação

DIAGRAMA DE CARGA DE HOJE (dia da grave)
Fonte: REN - Centro de Informação

terça-feira, 13 de novembro de 2012

SMART HIGHWAY

Chama-se Smart Highway e é um conceito  mais ou menos inovador cujo primeiro protótipo está destinado a nascer na Holanda já em 2013! O projecto, que ganhou recentemente o prémio Best Future Concept, foi desenvolvido pelo Studio Roosegaarde e será implementado com a ajuda da Heijmans, uma empresa de infraestruturas holandesa.

Uma estrada que brilha no escuro...
As linhas nas estradas são pintadas com tinta luminescente que absorve a luz solar e brilha até 10 horas após escurecer, diminuindo a necessidade de iluminação artificial elétrica.


Pintura dinâmica...
Uma tinta especial sensível à temperatuda permanece invisível na estrada até que o mercúrio caia para temperaturas aproximadamente de zero graus. Nestas condições, aparecem figuras na estrada que avisam os automobilistas para o perigo de gelo ou neve.


Iluminação interativa...
Este sistema eficiente e ambientalmente sensível mantem a estrada às escuras até sensores detetarem a aproximação de um veículo. À medida que as viaturas passam a iluminação aumenta o seu brilho e de seguida reduzem a sua intensidade. Além de poupar energia este sistema é fantástico para estradas com pouco trânsito e combate o efeito da poluição luminosa em algumas zonas sensíveis.


Iluminar com o vento...
Imagine uma estrada com centenas ou milhares de pequenos aerogeradores ao longo da berma! Estes captam a deslocação de ar provocada pela velocidade das viaturas e, teoricamente, produzem eletricidade suficiente para iluminar a estrada.


Faixa prioritária indutiva...
Bobines de indução serão embebidas no pavimento de uma faixa prioritária destinada a veículos elétricos que carregam baterias enquanto se deslocam aumentando o seu alcance.


Para mais informações visitar o sítio do estúdio Roosegaarde aqui.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

QUE SE LIXE O PLANETA!


No mundo desarticulado em que vivemos terá passado despercebido à maioria o alerta divulgado em setembro último pelo cientista Peter Wadhams, segundo o qual o gelo Ártico desaparecerá no verão de 2016. Motivo? O aquecimento global, aquele que segundo alguns céticos foi uma invenção do lobby da indústria das energias renováveis.
O degelo como consequência da intervenção antropogénica nas alterações climáticas já vem sido alertado por inúmeros cientistas aos quais, parece, poucos dão ouvidos.
Neste artigo publicado no The Guardian e que pode ser lido aqui, Wadhams alerta para a disparidade entre as estratégias para a redução dos efeitos humanos no clima terrestre e a velocidade com que as suas consequências afetam o globo. Wadhams avisa ainda que:

"As the sea ice retreats in summer the ocean warms up (to 7C in 2011) and this warms the seabed too. The continental shelves of the Arctic are composed of offshore permafrost, frozen sediment left over from the last ice age. As the water warms the permafrost melts and releases huge quantities of trapped methane, a very powerful greenhouse gas so this will give a big boost to global warming."

Uma autêntica reação em cadeia ao estilo fissão nuclear!

Em vez de preocupada, a industria petrolífera já está em "guerra" pois estima-se que por baixo das massas geladas do ártico jazem reservas de crude e gás fenomenais. Vai-se o gelo, venham os Sandy's! Mas o que isso importa se houver mais petróleo e gás?

Que se lixe o clima e, quiçá, o futuro da sustentabilidade do nosso planeta! 


Aí está o Waveroller!




Portugal voltou a ter energia elétrica produzida a partir da força das ondas! No fundo do mar de Peniche, na zona do Baleal, a cerca de 900 metros da costa, está o Waveroller, um dispositivo que aproveita a deslocação bidirecional da massa de água junto ao fundo do mar. É um conceito diferente do PELAMIS, experimentado na Aguçadoura (Póvoa de Varzim), ou da tecnologia CAO (Porto do Cachorro, no Pico) mas qualquer um tem como origem o aproveitamento da energia cinética das massas de água do mar que se deslocam de forma diferente, consoante a profundidade e a distância da costa e que conhecemos como ondas, convertendo essa energia mecânica (movimento) em energia elétrica através de geradores. Simples, conceptualmente!
O Waveroller é já a segunda fase de um projeto que nasceu há cerca de dois anos, em articulação com a Eneólica (do grupo Lena) e a finlandesa AW Energy, detentora da patente do conceito. Consiste numa plataforma instalada no fundo que serve de suporte a uma placa que oscila nos dois sentidos por ação da cinética de uma onda de fundo (fenómeno surge) em zonas "nearshore" (perto da costa).
O protótipo agora em fase de ensaio custou perto de €6,5 milhões (em grande parte financiados por programas comunitários) e pesa 600 toneladas. Tem 43 metros de comprimento, por 18 de largura e 12 de altura. Mais de 50% desta estrutura submarina terá incorporação nacional. Uma boa notícia do ponto de vista tecnológico e ambiental. Na vertente económica veremos. Ficariamos bem mais satisfeitos se a ideia também fosse portuguesa. Se calhar até foi, de algum investigador português que acabou contratado pela finlandesa AW Energy porque em Portugal lhe fecharam as portas...




Consulta de referência:

Vídeo demonstrativo do conceito Waveroller

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

AFINAL,SOMOS RICOS?


Recebi hoje um email da Agência Internacional da Energia a convidar para subscrever a aquisição do World Energy Outlook 2012.
O convite enumera uma série de descontos caso a subscrição seja efetuada previamente ao lançamento do documento, a saber:

Discounts:
- 10% discount for orders placed before 12 November 2012
- 30% discount for universities and non-profit organisations
- 50% discount for clients based in low income and lower middle income countries

Em anexo, é enviado um link para uma tabela do Banco Mundial que classifica os países de acordo com a sua economia. Sinceramente como português, esperava o tão almejado desconto de 50%. Da maneira como as coisas andam seria o mais provável. Eis senão o meu espanto quando, ao consultar a dita tabela, verifico Portugal está no grupo dos "High income countries" ao lado da Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Noruega, Holanda, etc.

Afinal somos ricos! Andam a enganar-nos!

Mas é que andam mesmo e já não me restam dúvidas. Na realidade, o Banco Mundial, aos meus olhos, perdeu toda a credibilidade assim que eu vi esta tabela. Eu explico porquê: a leitura da tabela trouxe-me à memória o conceito de "limiar de pobreza", estudado em Teoria Económica há 20 anos atrás. Ora, de braço dado com o conceito veio o que pesquisei a propósito das teorias de Amartya Sen, o economista indiano nobilizado em 1998 pelas suas contribuições para o estudo da economia social. Nem de propósito, quis refrescar os conceitos - porque estava pusilânime com alguns resultados da tabela do Banco Mundial, por exemplo: Angola é "Middle High Income" - e eis que me deparo com o seguinte link: "Who is poor? Amartya Sen proposes a measure of poverty that looks beyond income". Calculei que fosse um artigo muito antigo. Afinal, não havia eu já lido sobre isto há 20 anos atrás? Seguramente que em 2 décadas todas essas nobres e grandes instituições zeladoras do mundo, como o Banco Mundial, já teriam adotado há muito os ensinamentos que valeram a Amartya Sen o Nobel da Economia de 98. Certo?
Não parece... porque o artigo, afinal, figura na edição de Fevereiro 2011 da... Harvard Magazine.
A leitura, parece-me, é clara: por muitas mentes iluminadas que a Economia como ciência produza, o mundo, nas suas organizações mais poderosas, permanece acordado apenas perante um factor: quantos dólares por pessoa num país?

Descarregar tabela aqui: World Bank list of economies (July 2012)

domingo, 4 de novembro de 2012

O ORGULHO INSULAR



A política energética é, sem dúvida nenhuma, um dos pilares da economia de qualquer estado ou região. Atualmente os governos, se visionários, desenvolvem esforços no sentido de promover estratégias estruturantes que conduzam à máxima potenciação dos seus recursos energéticos. Os Açores não podem fugir a este cenário de crescente procura pela autonomia energética. Possuímos um reconhecido potencial inexplorado que nos coloca na linha da frente para a valorização e aproveitamento dos nossos recursos endógenos respondendo às exigências do presente-futuro paradigma energético. Seremos algum dia cem por cento autónomos? A resposta a esta questão não é linear mas a minha convicção num cenário realista terá de ser negativa. Todavia uma região com uma base energética altamente dependente da importação de combustíveis está, à partida, condenada à estagnação económica e à volatilidade dos mercados internacionais. Por isso, urge a definição de políticas direcionadas para a definição do que se pretende para estas nove ilhas “plantadas” no meio do atlântico e abençoadas com extraordinários recursos naturais de elevado potencial, à nossa escala. Em qualquer cenário admissível a necessidade de encontrar fontes de energia alternativas aos combustíveis fósseis importados é estrutural.
Qualquer região que pretenda orientar o seu modelo energético tem de forçosamente olhar para o exemplo islandês, país que tem sido referido mundialmente como exemplo, também, a outros níveis como bem se sabe. A Islândia é um país insular europeu situado no oceânico atlântico norte. Geologicamente fica situada no limite divergente entre as placas tectónicas norte-americana e euro-asiática, denominado por Crista Médio-Atlântica. É caracterizada por uma intensa atividade vulcânica e recursos hidrológicos abundantes que, bem explorados, permitiram fazer deste país um exemplo mundial ao nível do aproveitamento de recursos endógenos para produção de energia primária. Atualmente, na Islândia, 100% da energia elétrica é renovável, produzida por via hídrica e geotérmica. Cerca de 81% da energia primária necessária para produção de eletricidade e aquecimento é renovável (geotérmica). Os restantes 19% ainda correspondem à utilização de petróleo, essencialmente para os transportes rodoviários e frota de pescas, mas as estratégias em curso permitirão, numa escala temporal relativamente curta, eliminar os combustíveis fósseis do panorama energético da ilha. Independentemente da inegável importância do conhecimento científico atualmente existente naquela região, referência mundial ao nível da investigação técnica e académica no sector energético, há um fator determinante para o sucesso do modelo energético Islandês: a mentalidade dos seus cidadãos que veem no exemplo do seu país uma questão de orgulho nacional. Todos trabalham em consonância e com um objetivo comum: a sua sustentabilidade energética, a preservação dos seus recursos e a sua economia. Só por curiosidade, os islandeses ocupam o segundo lugar na tabela do índice de desenvolvimento humano, logo atrás da Noruega - outro exemplo de uma nação com um modelo energético de referência –,  e é uma das nações mais igualitárias do mundo de acordo com o coeficiente de Gini.
A economia islandesa assenta na exportação de pescado e na industria de produção e transformação de alumínio, que requer quantidades exorbitantes de calor e eletricidade. Quando a americana ALCOA pretendeu construir uma fundição em Reydarfjordur foi necessário construir uma nova central elétrica. O processo só avançou após referendo nacional e depois da população ficar a saber qual a relação custo/benefício do investimento. Isto diz muito da mentalidade dos islandeses que oferecem eletricidade para a industria a 3 cêntimos/kWh (uma das tarifas mais baixas do mundo) mas não sem garantias e sem o próprio envolvimento e comprometimento dos seus cidadãos. É chegada a hora (e já vamos tarde) de abraçar o futuro energético dos Açores como uma questão de orgulho insular! Deixemo-nos de planos e discursos inconsequentes. Passemos à ação e façamos da energia uma marca açoriana. Não somos uma somos nove. Somos um povo particularmente diferente. Mas somos capazes, assim queiramos! 

Consulta de referência: