quinta-feira, 18 de julho de 2013

A FACA DE DOIS "LEGUMES"

O anúncio dos lucros obtidos pela elétrica regional EDA têm sido motivo de discussão pública, não tanto pelo montante – cerca de oito milhões de Euros – mas sobretudo pela decisão de distribuir estes dividendos pelos respetivos acionistas. Não discuto a legitimidade da decisão sobre o destino a dar a este dinheiro. Nem tão pouco opino sobre outras possíveis aplicações deste montante. Mas não quero deixar de registar e manifestar a minha apreensão sobre o que li, na imprensa regional e em alguma nacional, sobre a ideia peregrina de que este lucro da EDA deveria ser utilizado para reduzir as tarifas da energia elétrica que os açorianos pagam e não para serem distribuídos pelos acionistas da empresa. Devo alertar para o perigo desta opinião. Esta proposta a ser concretizada seria um autêntico tiro no pé. Ou como diria o antigo jogador e treinador de futebol Jaime Pacheco, uma faca de dois “legumes”.
O fornecimento de energia elétrica é um serviço público essencial devendo ser assegurado à generalidade dos consumidores nacionais em condições de igualdade. Para garantir a defesa do consumidor, são impostas obrigações de serviço público onde e quando, por si só, a concorrência não possa assegurar tal fim. Uma componente fundamental na prestação deste serviço público, o tarifário, não é independente do local de residência dos consumidores. Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira o custo inerente à disponibilização da energia elétrica é consideravelmente superior ao do continente donde resulta uma clara assimetria com consequente penalização para os cidadãos e agentes económicos residentes nestas regiões. Até 2002 a competência para fixação dos preços da eletricidade era dos Governos Regionais, tendo sido, em 2003, transferida para a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos – pelo Decreto-Lei nº 69/2002 de 25 de março, no âmbito do processo de convergência nacional do tarifário elétrico. Este novo modelo determinou que as competências da ERSE fossem estendidas aos respetivos territórios insulares passando as empresas de eletricidade dos Açores e da Madeira a estar sujeitas ao mesmo tipo de controlo e regulação que as congéneres do continente. O sobrecusto da insularidade passou a ser suportado no quadro do tarifário nacional, à semelhança do que sucede em outros países da União Europeia com especificidades geográficas e administrativas semelhantes e no pressuposto de igualdade e coesão subjacente a todo o processo. Resumidamente, açorianos e madeirenses pagam as mesmas tarifas dos continentais, em mercado regulado, sendo os custos de produção, eles próprios assimétricos entre as nossas nove ilhas, superiores ao preço de venda ao cliente final. Se na nossa região fossem fixados preços mais baixos para a energia elétrica do que os fixados pela ERSE seria o mesmo que dizer: não queremos o valor total da compensação que recebemos do continente e as contas da ERSE estão mal feitas! Note-se que a ERSE está obrigada pela lei, a garantir o equilíbrio económico-financeiro das empresas reguladas (EDA incluída) e calcula a respetiva compensação pela diferença entre o que considera os custos eficientes (inferiores aos reais) e a receita obtida pelas vendas aos preços por ela fixados, já com a preocupação da compensação ser a menor possível.
Neste quadro, seria conveniente deixar tudo como está uma vez que os benefícios para os açorianos são evidentes com o atual regime de regulação e convergência do tarifário em vigor. Caso este não existisse, as tarifas por nós pagas seriam o dobro, no mínimo.

Tal como em muitos outros domínios, no setor da energia também há facas de dois “legumes” e devemos ter condições para acreditar que quem com elas corta escolhe sempre o lado certo.

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