terça-feira, 27 de agosto de 2013

HIPOCRISIAS

O Parque Nacional Yasuní é uma extensão da floresta amazónica situado na região leste do Equador, na fronteira com o Perú. É uma zona selvagem com aproximadamente 9820km2 que alberga uma biodiversidade notável estando registadas cerca de 150 espécies de anfíbios, 121 de répteis e 598 de aves. Confirmadas estão, ainda, 169 espécies de mamíferos mas estima-se a existência de mais de 200. Quanto à diversidade da flora existente neste território, esta é ainda mais impressionante: 2113 espécies identificadas e cerca de 3100 estimadas. 
Estes números são significativos e conferem a esta região uma inquestionável importância ambiental que culminou com a sua classificação pela UNESCO, em 1989, como Reserva Mundial da Bioesfera. 
Mas não é só na superfície que reside a riqueza desta região equatoriana. Jazem no subsolo desta selva amazónica gigantescas reservas petrolíferas. O petróleo é a base da economia equatoriana, a mais próspera da América Latina (cresceu 4,82% em 2012), e a oitava da América do Sul. Apenas por curiosidade refira-se que a taxa de desemprego no Equador é de apenas 4,82% e a sua dívida externa representa 14,2% do PIB. Estes números reforçam bem a importância da energia e da dependência energética na economia: não se fazem omeletas sem ovos e quando não os há não vale a pena contrair dívida pois o resultado acabará por ser a fome.
No bloco ITT (as iniciais de Ishipingo-Tambococha-Tiputini), um dos mais importantes do mapa petrolífero do Equador, estima-se a existência de 846 milhões de barris de crude. Ora esta é especificamente uma zona protegida devido à existência de povos isolados, índios que vivem sem contacto com o resto da civilização. Recorde-se que o Equador é um dos pouquíssimos países do mundo que inclui na sua Constituição rigorosa legislação no domínio ambiental e da natureza.
Numa iniciativa inédita e aparentemente inusitada, o Equador pediu ao mundo que contribuísse com 3,6 mil milhões de dólares (mais ou menos 2,69 mil milhões de Euros) para ajudar o país a manter 20% das suas reservas de petróleo enterradas na Amazónia. Apesar de uma intensa campanha internacional, o Equador não conseguiu mais do que 13 milhões levando o Presidente, Rafael Correa, a pedir autorização ao Parlamento para abrir os lotes ITT do Parque Yasuní à exploração petrolífera. Correa anunciou a sua decisão num discurso na televisão e disse esperar conseguir 18 mil milhões de dólares com a exploração de petróleo nos lotes ITT. Esse dinheiro seria usado “para vencer a miséria, especialmente na Amazónia, que regista o maior índice de pobreza”, afirmou.
O que não se pode negar é que o valor proposto pelos equatorianos representa uma autêntica ninharia. Para que fiquemos com uma ideia este montante equivale a 2% da dívida externa portuguesa, atualmente a rondar os 140 mil milhões de Euros.
Numa época em que tanto se discute a preservação ambiental e da biodiversidade por todo o mundo, com instituições, programas, fundações e iniciativas a nascerem por todo o lado como cogumelos, não deveria a comunidade internacional ter apoiado esta proposta do governo equatoriano? Já não foram perdoadas dívidas de nações em montantes substancialmente superiores, muitas vezes utilizados em negócios obscuros, investimentos inconsequentes, de legalidade duvidosa e de caráter eminentemente doloso?
A recusa da comunidade internacional em contribuir para a preservação de uma das mais ricas e importantes regiões do planeta é apenas mais um sinal da enorme hipocrisia em que este mundo está mergulhado. E o Equador foi obrigado a abrir o bloco ITT à exploração provavelmente por muitos dos que empunham a bandeira da ecologia e do ambientalismo.
Citando William Shakespeare, “O diabo pode citar as Sagradas Escrituras quando isso lhe convém.”

terça-feira, 13 de agosto de 2013

"O SOLE MIO"

Não haverá provavelmente ninguém que não reconheça os acordes de “O Sole Mio”, a famosa canção italiana (napolitana) escrita por Eduardo di Capua e imortalizada por inúmeros cantores dos mais variados géneros musicais. Sendo verão, tempo de férias e de descanso bem merecido, é frequente lembrar-me da letra desta música e da sua harmoniosa melodia. O “sole” da canção personifica a luz, o brilho e o calor do “astro rei” e o seu papel central na vida de cada um de nós. A estrela que alimenta a vida no nosso planeta.
Se a energia é num sentido lato definida como o “sangue” do nosso planeta, o sol pode muito bem dizer-se, é o “coração” da terra. Tudo gira em torno do sol. Ora mais encoberto pelas teimosas nuvens que por estas latitudes abundam, ora mais atrevido com o seu brilhante e quente disco luminoso, o sol é, na realidade, a mais importante e abundante fonte energética de que a humanidade dispõe.
Na realidade e apesar de tudo o que se possa dizer, existem apenas três fontes primárias de energia: nuclear, geotérmica e solar (podemos considerar uma pequena exceção que é a energia das marés, alimentada pelas forças gravitacionais tanto do sol como da lua). A energia solar é a fonte original da biomassa, da energia eólica, dos combustíveis fósseis, e até mesmo da energia hidroelétrica. O sol cria gradientes de temperatura na superfície da Terra, que geram o vento. A fotossíntese da biomassa vegetal é produzida por fotões solares. É essa biomassa que ficou enterrada ao longo de milhões de anos e que contribuiu para a formação do petróleo que hoje se extrai do subsolo. As centrais hidroelétricas aproveitam a energia potencial da água. Mas a água tem de surgir de alguma forma. É o sol que cria a água no estado líquido através da evaporação, que é posteriormente libertada sob a forma de chuva.
Essas “fontes” de energia - eólica, biomassa e hídrica - acabam por não ser verdadeiramente fontes primárias de energia. São apenas maneiras diferentes de converter a energia solar noutra forma.
A dinâmica solar é também a fonte de inspiração dos cientistas que estudam a fusão nuclear. Este processo (não confundir com a fissão nuclear, o método convencional utilizado nas centrais nucleares) não é mais do que reproduzir em ambiente controlado o que se passa no astro rei: a fusão de átomos de hidrogénio num ambiente de elevadíssima amplitude térmica. Por isso se sabe, hoje, que o sol se consome a si próprio e que um dia se extinguirá, tal como o conhecemos hoje. Mas não se assuste pois ainda faltam uns bons milhares de milhões de anos. Entretanto, físicos de todo o mundo ambicionam dominar este processo e futuramente produzir eletricidade a partir do calor gerado pela fusão. Há quem acredite ser esta a fonte energética do futuro.
Se para si o sol é sinónimo apenas de férias, descanso e convívio, lembre-se que ele é o maior responsável pela eletricidade que chega à sua casa, pelo combustível que põe no seu carro, e se quiser, pelos alimentos que fornecem a energia química que o seu corpo transforma e que o faz viver. E talvez dê por si a trautear a famosa canção italiana nem que seja para atenuar a infelicidade por mais um dia de “capacete”, tão frequente por estas bandas como o magnífico verde destas nossas inigualáveis ilhas, que teima em esconder o sol que tanto aprecia numa boa tarde de praia.

Continuação de bom verão!

ECONOMIA DO MAR: O FUTURO DECIDE-SE JÁ.

Encontra-se em fase de análise e aprovação pela Organização das Nações Unidas (ONU) a proposta de Extensão da Plataforma Continental Portuguesa (PCP). Caso venha a ser aprovada, esta ampliação, Portugal passa a ter sob sua influência 350 milhas náuticas, equivalentes a uma zona económica exclusiva de 2,15 milhões Km2, o que lhe confere uma área de soberania de 4 milhões de Km2 (43 vezes o território terrestre do país). Atualmente, a zona económica exclusiva de Portugal é de 1,7 milhões de Km2, o que corresponde a cerca de 20 vezes o território terrestre do País, ao longo de 200 milhas (370 Km) além da costa.
Minerais, em especial cobalto – estima-se a existência de reservas nos fundos marinhos açorianos equivalentes a 25% do consumo mundial –, recursos energéticos, biodiversidade e o progresso científico são as grandes mais-valias decorrentes da extensão da PCP, apontadas por vários estudos que sustentam a candidatura portuguesa. 
Na possibilidade, mesmo que incerta, de ver esta proposta aprovada pela ONU, Portugal devia estar a preparar com devido cuidado o seu futuro pós-extensão. Ao invés, os papalvos do costume, os de cá e os de lá, apenas sabem reafirmar a importância do mar no futuro pós-crise, cujo fim não se vislumbra, mantendo os portugueses quase afogados neste marasmo de austeridade. A desculpa conjuntural do contexto económico desfavorável não serve para justificar a falta de visão que teima em moldar o pensamento dos nossos estrategas políticos.
Em resumo, com a extensão da sua soberania marítima, Portugal ficará com acesso a um manancial de riqueza submarina extraordinário. Neste volume incluem-se, certamente, recursos energéticos importantes que podem contribuir decisivamente para a limitação da dependência energética portuguesa, assim se saibam criar, desde já, condições para a sua exploração sustentada e sustentável. Refiro-me concretamente aos hidratos de metano. Este tipo de combustível fóssil diferente dos tradicionais, habitualmente conhecido por "gelo inflamável", é uma formação gélida na qual as moléculas de água "aprisionam" gás de metano devido às enormes pressões submarinas. A propósito desta promissora fonte energética veja-se o exemplo do Japão, que não obstante ser a terceira economia mundial, sofre de uma assinalável dependência energética do exterior. Neste país insular, uma equipa de cientistas conseguiu, em março, extrair de forma controlada gás de um depósito submarino de hidratos de metano. Desde que são conhecidas as reservas em águas nipónicas, a investigação e desenvolvimento neste domínio acelerou. Agora que parecem definitivamente provadas reservas para 100 anos de consumo energético do Japão, a investigação entra no domínio da segurança ambiental. O país desenvolve neste momento tecnologia que é capaz de extrair o gás natural (metano) sem destruir a estrutura de gelo, evitando, assim, fugas não controladas. Este pormenor é determinante pois o metano uma vez libertado para a atmosfera é muito mais nocivo do que o CO2. 
Não deixa de ser curioso que o ex-ministro da economia numa das suas últimas entrevistas relacionadas com questões energéticas, quando questionado sobre esta questão dos hidratos de metano e do seu potencial, pareceu desconhecer o tema ou simplesmente não lhe deu importância nenhuma mudando de assunto com a subtileza própria de quem não sabe ou não quer saber. Resta saber o que pensará deste tema o titular da nova pasta do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia (MAOTE) que nasceu da desagregação do super-ministério MAMAOT na sequência da remodelação governamental recente.
Este é um tema estrategicamente relacionado com a extensão da nossa plataforma continental e com a tão apregoada “economia do mar”. Temos excelentes e antigas relações com o Japão. Não seria de estabelecer, já, uma agenda de cooperação estratégica entre os dois países neste domínio?