domingo, 28 de abril de 2013

O (NOVO) SONHO AMERICANO


Há dias, num dos muitos espaços televisivos nacionais dedicados ao debate político, económico e social, ouvi um economista “desconhecido” nestas andanças do comentário e da opinião sobre a situação económica portuguesa e europeia, responder à inevitável questão acerca da “receita certa” para ultrapassar esta insustentável situação em que o país se encontra. Afirmou, categoricamente, que Portugal deve “olhar” mais para os Estados Unidos e virar costas a um projeto europeu decadente e sem futuro. Esta opinião pareceu-me lúcida e independente, indo ao encontro de uma realidade emergente que assenta nas projeções internacionais sobre o mapa energético mundial decorrente da previsível autonomia energética americana por volta do ano 2035.
A discussão sobre o vetor energia costuma estar incompreensivelmente ausente do debate económico. A sua profunda influência no desenvolvimento das nações e das suas economias devia ser refletida com maior frequência e transparência pelos técnicos, políticos, jornalistas, comentadores, etc.
A revolução energética em curso nos Estados Unidos constitui uma ameaça à Europa e promete inverter o mapa industrial do planeta nos próximos anos. O acesso, agora tecnológica e economicamente viável, a reservas não convencionais de gás natural projeta os americanos para o topo da lista das maiores potências mundiais na produção desta fonte energética num horizonte temporal relativamente curto. Tal como a teoria económica e a história explicam, a redução do custo da energia promove a competitividade e a criação de emprego. Isto resultará – e aqui reside a real ameaça – no deslocamento da indústria energeticamente intensiva da Europa para os Estados Unidos, outrora desindustrializados por via da oferta asiática. Estamos a falar da indústria do papel, do aço, do alumínio, do plástico, da borracha, do vidro, etc. Esta deriva já teve início. A gigante da indústria química alemã BASF investiu nos Estados Unidos 5,7 mil milhões de Euros desde 2009 e anunciou recentemente novos projetos em terras americanas. A BAYER, curiosamente também germânica, segue o mesmo caminho.
Atualmente o preço do gás natural nos Estados Unidos é cerca de quatro vezes inferior ao da Europa e assume-se como sendo o fator de mudança no paradigma económico mundial.
 
Cheap natural gas lures E.U. to U.S. shores
 
Fonte: World Bank Commodity Markets. The Washington Post.
Paralelamente, os americanos estão a deixar de queimar o seu abundante e muito mais poluente carvão e estão a exportá-lo para a Europa, tal como já escrevi aqui. Aqui também ficam a ganhar pois o gás natural é muito menos poluente do que o carvão desequilibrando claramente a balança das emissões para o lado europeu.
Esta é uma realidade afastada da análise política europeia. O setor energético não é avaliado com a profundidade necessária nem lhe é reconhecido o cariz essencial que de facto possui - e essa é uma análise que devemos exigir de quem tem responsabilidade na condução dos destinos do velho continente.
Do outro lado espreita a China que almeja disputar com os americanos a liderança económica mundial. Nos últimos quinze anos conseguiu impor os baixos salários e energia abundante e barata como ativos capazes de atrair a indústria ocidental. Mas o cenário está a mudar e os chineses não revelam possuir os recursos energéticos necessários para ultrapassar os Estados Unidos no topo das economias mundiais. Para se ter uma ideia mais concreta desta “fome” chinesa, dos 472 mil milhões de Euros que a China tem investidos no mundo, 46.9% (231 mil milhões) são no setor energético.
Esta viragem de cento e oitenta graus no mapa energético é apenas mais uma machadada na Europa e muito provavelmente na Ásia. O novo sonho americano está aí, impulsionado por triliões de pés cúbicos de gás natural, libertado das profundezas da terra. E durará até que se esgote ou que o comboio da globalização, “empurrado” pelo petróleo tendencialmente mais caro e difícil de encontrar, pare no meio da linha.

domingo, 14 de abril de 2013

O EXCESSO DE PRODUÇÃO ELÉTRICA RENOVÁVEL E O PREVISÍVEL AUMENTO DAS TARIFAS

Há dias escrevi aqui e a propósito da quase autonomia energética nacional no setor da produção de energia elétrica e excesso de produção, nos últimos dias de março e início de abril devido ao mau tempo que se instalou no país nesse período, que este facto aparentemente positivo acarretaria custos importantes para os consumidores. A situação mantém-se sendo já matéria de análise na comunidade online da especialidade.
Diagrama de produção 11 Abril 2013 - Fonte: REN
De facto assistiu-se a um aumento significativo da produção de energia por via das renováveis, especialmente no setor da produção em regime especial (PRE) que como se sabe implica um custo pago ao produtor acima do preço de mercado que é refletido nas faturas dos consumidores (exceto industriais).
Recordo que é a própria ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que argumenta como factor determinante na política tarifária estes sobrecustos com a PRE como se pode ler neste documento e que transcrevo aqui:
Conclusão: O aumento da PRE e a diminuição do consumo são justificações para o aumento das tarifas. Este aumento é atenuado através do adiamento do pagamento do défice tarifário que se vem acumulando ao longo dos anos e que já ronda os 4 mil milhões de Euros e que vai ser pago pelos consumidores. Um aumento da PRE, se à partida pode parecer apenas um facto positivo, tem este senão: causa o aumento das tarifas.
Atente-se agora nas estatísticas nacionais para o primeiro trimestre de 2013:
Fonte: REN
Observa-se um claro aumento da PRE (45,9%) e uma redução da produção térmica (-48,6%) o que do ponto de vista ambiental é muito positivo uma vez que se traduz na redução de emissões e ajuda no cumprimento das metas europeias a que Portugal está obrigado. Paralelamente o consumo diminuiu 2,3% neste período mantendo a tendência e as previsões feitas pela própria ERSE.
Se juntarmos estes dois dados e mesmo considerando que a situação (quase 100% de energia elétrica produzida por fontes renováveis) não se poderá manter ao longo do resto do ano, adivinha-se o que aí vem em finais de 2013 quando a ERSE apresentar a sua proposta de tarifas reguladas (aplicáveis aos Açores). Este aumento já se fará sentir na próxima revisão trimestral da ERSE para o mercado continental e para os consumidores no mercado regulado.